Aquecimento global é inevitável e
6 bi morrerão, diz cientista
James
Lovelock, renomado cientista, diz que o aquecimento global é irreversível - e
que mais de 6 bilhões de pessoas vão morrer neste século
- Cortesia de James Lovelock
por Por
Jeff Goodell
Aos 88 anos, depois de quatro filhos e uma carreira
longa e respeitada como um dos cientistas mais influentes do século 20, James
Lovelock chegou a uma conclusão desconcertante: a raça humana está condenada.
"Gostaria de ser mais esperançoso", ele me diz em uma manhã
ensolarada enquanto caminhamos em um parque em Oslo (Noruega), onde o estudioso
fará uma palestra em uma universidade. Lovelock é baixinho, invariavelmente
educado, com cabelo branco e óculos redondos que lhe dão ares de coruja. Seus
passos são gingados; sua mente, vívida; seus modos, tudo menos pessimistas.
Aliás, a chegada dos Quatro Cavaleiros do Apocalipse - guerra, fome, pestilência
e morte - parece deixá-lo animado. "Será uma época sombria",
reconhece. "Mas, para quem sobreviver, desconfio que vá ser bem
emocionante."
Na visão de Lovelock, até 2020, secas e outros
extremos climáticos serão lugar-comum. Até 2040, o Saara vai invadir a Europa,
e Berlim será tão quente quanto Bagdá. Atlanta acabará se transformando em uma
selva de trepadeiras kudzu. Phoenix se tornará um lugar inabitável, assim como
partes de Beijing (deserto), Miami (elevação do nível do mar) e Londres (enchentes).
A falta de alimentos fará com que milhões de pessoas se dirijam para o norte,
elevando as tensões políticas. "Os chineses não terão para onde ir além da
Sibéria", sentencia Lovelock. "O que os russos vão achar disso? Sinto
que uma guerra entre a Rússia e a China seja inevitável." Com as
dificuldades de sobrevivência e as migrações em massa, virão as epidemias. Até
2100, a população da Terra encolherá dos atuais 6,6 bilhões de habitantes para
cerca de 500 milhões, sendo que a maior parte dos sobreviventes habitará altas
latitudes - Canadá, Islândia, Escandinávia, Bacia Ártica.
Até o final do século, segundo o cientista, o
aquecimento global fará com que zonas de temperatura como a América do Norte e
a Europa se aqueçam quase 8 graus Celsius - quase o dobro das previsões mais
prováveis do relatório mais recente do Painel Intergovernamental sobre a
Mudança Climática, a organização sancionada pela ONU que inclui os principais
cientistas do mundo. "Nosso futuro", Lovelock escreveu, "é como
o dos passageiros em um barquinho de passeio navegando tranqüilamente sobre as
cataratas do Niagara, sem saber que os motores em breve sofrerão pane". E
trocar as lâmpadas de casa por aquelas que economizam energia não vai nos
salvar. Para Lovelock, diminuir a poluição dos gases responsáveis pelo efeito
estufa não vai fazer muita diferença a esta altura, e boa parte do que é
considerado desenvolvimento sustentável não passa de um truque para tirar
proveito do desastre. "Verde", ele me diz, só meio de piada, "é
a cor do mofo e da corrupção."
Se tais previsões saíssem da boca de qualquer outra
pessoa, daria para rir delas como se fossem devaneios. Mas não é tão fácil
assim descartar as idéias de Lovelock. Na posição de inventor, ele criou um
aparelho que ajudou a detectar o buraco crescente na camada de ozônio e que deu
início ao movimento ambientalista da década de 1970. E, na posição de
cientista, apresentou a teoria revolucionária conhecida como Gaia - a idéia de
que nosso planeta é um superorganismo que, de certa maneira, está
"vivo". Essa visão hoje serve como base a praticamente toda a ciência
climática. Lynn Margulis, bióloga pioneira na Universidade de Massachusetts
(Estados Unidos), diz que ele é "uma das mentes científicas mais
inovadoras e rebeldes da atualidade". Richard Branson, empresário
britânico, afirma que Lovelock o inspirou a gastar bilhões de dólares para
lutar contra o aquecimento global. "Jim é um cientista brilhante que já
esteve certo a respeito de muitas coisas no passado", diz Branson. E completa:
"Se ele se sente pessimista a respeito do futuro, é importante para a
humanidade prestar atenção."
Lovelock sabe que prever o fim da civilização não é
uma ciência exata. "Posso estar errado a respeito de tudo isso", ele
admite. "O problema é que todos os cientistas bem intencionados que
argumentam que não estamos sujeitos a nenhum perigo iminente baseiam suas
previsões em modelos de computador. Eu me baseio no que realmente está
acontecendo."
Quando você se aproxima da casa de Lovelock em
Devon, uma área rural no sudoeste da Inglaterra, a placa no portão de metal
diz, claramente: "Estação Experimental de Coombe Mill. Local de um novo
hábitat. Por favor, não entre nem incomode".
Depois de percorrer algumas centenas de metros em uma alameda estreita, ao lado de um moinho antigo, fica uma casinha branca com telhado de ardósia onde Lovelock mora com a segunda mulher, Sandy, uma norte-americana, e seu filho mais novo, John, de 51 anos e que tem incapacidade leve. É um cenário digno de conto de fadas, cercado de 14 hectares de bosques, sem hortas nem jardins com planejamento paisagístico. Parcialmente escondida no bosque fica uma estátua em tamanho natural de Gaia, a deusa grega da Terra, em homenagem à qual James Lovelock batizou sua teoria inovadora.
Depois de percorrer algumas centenas de metros em uma alameda estreita, ao lado de um moinho antigo, fica uma casinha branca com telhado de ardósia onde Lovelock mora com a segunda mulher, Sandy, uma norte-americana, e seu filho mais novo, John, de 51 anos e que tem incapacidade leve. É um cenário digno de conto de fadas, cercado de 14 hectares de bosques, sem hortas nem jardins com planejamento paisagístico. Parcialmente escondida no bosque fica uma estátua em tamanho natural de Gaia, a deusa grega da Terra, em homenagem à qual James Lovelock batizou sua teoria inovadora.
A maior parte dos cientistas trabalha às margens do
conhecimento humano, adicionando, aos poucos, nova informações para a nossa
compreensão do mundo. Lovelock é um dos poucos cujas idéias fomentaram, além da
revolução científica, também a espiritual. "Os futuros historiadores da
ciência considerarão Lovelock como o homem que inspirou uma mudança digna de
Copérnico na maneira como nos enxergamos no mundo", prevê Tim Lenton,
pesquisador de clima na Universidade de East Anglia, na Inglaterra. Antes de
Lovelock aparecer, a Terra era considerada pouco mais do que um pedaço de pedra
aconchegante que dava voltas em torno do Sol. De acordo com a sabedoria em
voga, a vida evoluiu aqui porque as condições eram adequadas: não muito quente
nem muito frio, muita água. De algum modo, as bactérias se transformaram em
organismos multicelulares, os peixes saíram do mar e, pouco tempo depois,
surgiu Britney Spears.
Na década de 1970, Lovelock virou essa idéia de
cabeça para baixo com uma simples pergunta: Por que a Terra é diferente de
Marte e de Vênus, onde a atmosfera é tóxica para a vida? Em um arroubo de
inspiração, ele compreendeu que nossa atmosfera não foi criada por eventos
geológicos aleatórios, mas sim devido à efusão de tudo que já respirou, cresceu
e apodreceu. Nosso ar "não é meramente um produto biológico", James
Lovelock escreveu. "É mais provável que seja uma construção biológica: uma
extensão de um sistema vivo feito para manter um ambiente específico." De
acordo com a teoria de Gaia, a vida é participante ativa que ajuda a criar exatamente
as condições que a sustentam. É uma bela idéia: a vida que sustenta a vida.
Também estava bem em sintonia com o tom pós-hippie dos anos 70. Lovelock foi
rapidamente adotado como guru espiritual, o homem que matou Deus e colocou o
planeta no centro da experiência religiosa da Nova Era. O maior erro de sua
carreira, aliás, não foi afirmar que o céu estava caindo, mas deixar de
perceber que estava. Em 1973, depois de ser o primeiro a descobrir que os
clorofluocarbonetos (CFCs), um produto químico industrial, tinham poluído a
atmosfera, Lovelock declarou que a acumulação de CFCs "não apresentava
perigo concebível". De fato, os CFCs não eram tóxicos para a respiração,
mas estavam abrindo um buraco na camada de ozônio. Lovelock rapidamente revisou
sua opinião, chamando aquilo de "uma das minhas maiores bolas fora",
mas o erro pode ter lhe custado um prêmio Nobel.
No início, ele também não considerou o aquecimento
global como uma ameaça urgente ao planeta. "Gaia é uma vagabunda
durona", ele explica com freqüência, tomando emprestada uma frase cunhada
por um colega. Mas, há alguns anos, preocupado com o derretimento acelerado do
gelo no Ártico e com outras mudanças relacionadas ao clima, ele se convenceu de
que o sistema de piloto automático de Gaia está seriamente desregulado, tirado
dos trilhos pela poluição e pelo desmatamento. Lovelock acredita que o planeta
vai recuperar seu equilíbrio sozinho, mesmo que demore milhões de anos. Mas o
que realmente está em risco é a civilização. "É bem possível considerar
seriamente as mudanças climáticas como uma resposta do sistema que tem como
objetivo se livrar de uma espécie irritante: nós, os seres humanos",
Lovelock me diz no pequeno escritório que montou em sua casa. "Ou pelo
menos fazer com que diminua de tamanho."
Se você digitar "gaia" e
"religion" no Google, vai obter 2,36 milhões de páginas - praticantes
de wicca, viajantes espirituais, massagistas e curandeiros sexuais, todos
inspirados pela visão de Lovelock a respeito do planeta. Mas se você perguntar
a ele sobre cultos pagãos, ele responde com uma careta: não tem interesse na
espiritualidade desmiolada nem na religião organizada, principalmente quando
coloca a existência humana acima de tudo o mais. Em Oxford, certa vez ele se
levantou e repreendeu Madre Teresa por pedir à platéia que cuidasse dos pobres
e "deixasse que Deus tomasse conta da Terra". Como Lovelock explicou
a ela, "se nós, as pessoas, não respeitarmos a Terra e não tomarmos conta
dela, podemos ter certeza de que ela, no papel de Gaia, vai tomar conta de nós
e, se necessário for, vai nos eliminar".
Gaia oferece uma visão cheia de esperança a respeito de como o mundo funciona. Afinal de contas, se a Terra é mais do que uma simples pedra que gira ao redor do sol, se é um superorganismo que pode evoluir, isso significa que existe certa quantidade de perdão embutida em nosso mundo - e essa é uma conclusão que vai irritar profundamente estudiosos de biologia e neodarwinistas de absolutamente todas as origens.
Gaia oferece uma visão cheia de esperança a respeito de como o mundo funciona. Afinal de contas, se a Terra é mais do que uma simples pedra que gira ao redor do sol, se é um superorganismo que pode evoluir, isso significa que existe certa quantidade de perdão embutida em nosso mundo - e essa é uma conclusão que vai irritar profundamente estudiosos de biologia e neodarwinistas de absolutamente todas as origens.
Para Lovelock, essa é uma idéia reconfortante.
Considere a pequena propriedade que ele tem em Devon. Quando ele comprou o
terreno, há 30 anos, era rodeada por campos aparados por mil anos de ovelhas
pastando. E ele se empenhou em devolver a seus 14 hectares um caráter mais
próximo do natural. Depois de consultar um engenheiro florestal, plantou 20 mil
árvores - amieiros, carvalhos, pinheiros. Infelizmente, plantou muitas delas
próximas demais, e em fileiras. Agora, as árvores estão com cerca de 12 metros
de altura, mas em vez de ter ar "natural", partes do terreno dele
parecem simplesmente um projeto de reflorestamento mal executado. "Meti os
pés pelas mãos", Lovelock diz com um sorriso enquanto caminhamos no
bosque. "Mas, com o passar dos anos, Gaia vai dar um jeito."
Até pouco tempo atrás, Lovelock achava que o
aquecimento global seria como sua floresta meia-boca - algo que o planeta seria
capaz de corrigir. Então, em 2004, Richard Betts, amigo de Lovelock e
pesquisador no Centro Hadley para as Mudanças Climáticas - o principal
instituto climático da Inglaterra -, convidou-o para dar uma passada lá e bater
um papo com os cientistas. Lovelock fez reunião atrás de reunião, ouvindo os
dados mais recentes a respeito do gelo derretido nos pólos, das florestas
tropicais cada vez menores, do ciclo de carbono nos oceanos. "Foi
apavorante", conta.
"Mostraram para nós cinco cenas separadas de
respostas positivas em climas regionais - polar, glacial, floresta boreal,
floresta tropical e oceanos -, mas parecia que ninguém estava trabalhando nas
conseqüências relativas ao planeta como um todo." Segundo ele, o tom usado
pelos cientistas para falar das mudanças que testemunharam foi igualmente de
arrepiar: "Parecia que estavam discutindo algum planeta distante ou um
universo-modelo, em vez do lugar em que todos nós, a humanidade, vivemos".
Quando Lovelock estava voltando para casa em seu
carro naquela noite, a compreensão lhe veio. A capacidade de adaptação do
sistema se perdera. O perdão fora exaurido. "O sistema todo",
concluiu, "está em modo de falha." Algumas semanas depois, ele
começou a trabalhar em seu livro mais pessimista, A Vingança de Gaia, publicado
no Brasil em 2006. Na sua visão, as falhas nos modelos climáticos
computadorizados são dolorosamente aparentes. Tome como exemplo a incerteza
relativa à projeção do nível do mar: o IPCC, o painel da ONU sobre mudanças
climáticas, estima que o aquecimento global vá fazer com que a temperatura
média da Terra aumente até 6,4 graus Celsius até 2100. Isso fará com que
geleiras em terra firme derretam e que o mar se expanda, dando lugar à elevação
máxima do nível de mar de apenas pouco menos de 60 centímetros. A Groenlândia,
de acordo com os modelos do IPCC, demorará mil anos para derreter.
Mas evidências do mundo real sugerem que as
estimativas do IPCC são conservadoras demais. Para começo de conversa, os
cientistas sabem, devido aos registros geológicos, que há 3 milhões de anos,
quando as temperaturas subiram cinco graus acima dos níveis atuais, os mares
subiram não 60 centímetros, mas 24 metros. Além do mais, medidas feitas por
satélite recentemente indicam que o Ártico está derretendo com tanta rapidez
que a região pode ficar totalmente sem gelo até 2030. "Quem elabora os
modelos não tem a menor noção sobre derretimento de placas de gelo",
desdenha o estudioso, sem sorrir.
Mas não é apenas o gelo que invalida os modelos
climáticos. Sabe-se que é difícil prever corretamente a física das nuvens, e
fatores da biosfera, como o desmatamento e o derretimento da Tundra, raramente
são levados em conta. "Os modelos de computador não são bolas de
cristal", argumenta Ken Caldeira, que elabora modelos climáticos na
Universidade de Stanford, cuja carreira foi profundamente influenciada pelas
idéias de Lovelock. "Ao observar o passado, fazemos estimativas bem informadas
em relação ao futuro. Os modelos de computador são apenas uma maneira de
codificar esse conhecimento acumulado em apostas automatizadas e bem
informadas."
Aqui, em sua essência supersimplificada, está o
cenário pessimista de Lovelock: o aumento da temperatura significa que mais
gelo derreterá nos pólos, e isso significa mais água e terra. Isso, por sua
vez, faz aumentar o calor (o gelo reflete o sol, a terra e a água o absorvem),
fazendo com que mais gelo derreta. O nível do mar sobe. Mais calor faz com que
a intensidade das chuvas aumente em alguns lugares e com que as secas se
intensifiquem em outros. As florestas tropicais amazônicas e as grandes
florestas boreais do norte - o cinturão de pinheiros e píceas que cobre o
Alasca, o Canadá e a Sibéria - passarão por um estirão de crescimento, depois
murcharão até desaparecer. O solo permanentemente congelado das latitudes do
norte derrete, liberando metano, um gás que contribui para o efeito estufa e
que é 20 vezes mais potente do que o CO2... e assim por diante. Em um mundo de
Gaia funcional, essas respostas positivas seriam moduladas por respostas
negativas, sendo que a maior de todas é a capacidade da Terra de irradiar calor
para o espaço. Mas, a certa altura, o sistema de regulagem pára de funcionar e
o clima dá um salto - como já aconteceu muitas vezes no passado - para uma nova
situação, mais quente. Não é o fim do mundo, mas certamente é o fim do mundo
como o conhecemos.
O cenário pessimista de Lovelock é desprezado por
pesquisadores de clima de renome, sendo que a maior parte deles rejeita a idéia
de que haja um único ponto de desequilíbrio para o planeta inteiro.
"Ecossistemas individuais podem falhar ou as placas de gelo podem entrar
em colapso", esclarece Caldeira, "mas o sistema mais amplo parece ser
surpreendentemente adaptável." No entanto, vamos partir do princípio, por
enquanto, de que Lovelock esteja certo e que de fato estejamos navegando por
cima das cataratas do Niagara. Simplesmente vamos acenar antes de cair? Na
visão de Lovelock, reduções modestas de emissões de gases que contribuem para o
efeito estufa não vão nos ajudar - já é tarde demais para deter o aquecimento
global trocando jipões a diesel por carrinhos híbridos. E a idéia de capturar a
poluição de dióxido de carbono criada pelas usinas a carvão e bombear para o
subsolo? "Não há como enterrar quantidade suficiente para fazer
diferença." Biocombustíveis? "Uma idéia monumentalmente idiota."
Renováveis? "Bacana, mas não vão nem fazer cócegas." Para Lovelock, a
idéia toda do desenvolvimento sustentável é equivocada: "Deveríamos estar
pensando em retirada sustentável".
A retirada, na visão dele, significa que está na
hora de começar a discutir a mudança do lugar onde vivemos e de onde tiramos
nossos alimentos; a fazer planos para a migração de milhões de pessoas de
regiões de baixa altitude, como Bangladesh, para a Europa; a admitir que Nova
Orleans já era e mudar as pessoas para cidades mais bem posicionadas para o
futuro. E o mais importante de tudo é que absolutamente todo mundo "deve
fazer o máximo que pode para sustentar a civilização, de modo que ela não
degenere para a Idade das Trevas, com senhores guerreiros mandando em tudo, o
que é um perigo real. Assim, podemos vir a perder tudo".
Até os amigos de Lovelock se retraem quando ele
fala assim. "Acho que ele está deixando nossa cota de desespero no
negativo", diz Chris Rapley, chefe do Museu de Ciência de Londres, que se
empenhou com afinco para despertar a consciência mundial sobre o aquecimento
global. Outros têm a preocupação justificada de que as opiniões de Lovelock
sirvam para dispersar o momento de concentração de vontade política para impor
restrições pesadas às emissões de gases poluentes que contribuem para o efeito
estufa. Broecker, o paleoclimatologista de Columbia, classifica a crença de
Lovelock de que reduzir a poluição é inútil como "uma bobagem
perigosa".
"Eu gostaria de poder dizer que turbinas de
vento e painéis solares vão nos salvar", Lovelock responde. "Mas não
posso. Não existe nenhum tipo de solução possível. Hoje, há quase 7 bilhões de
pessoas no planeta, isso sem falar nos animais. Se pegarmos apenas o CO2 de
tudo que respira, já é 25% do total - quatro vezes mais CO2 do que todas as
companhias aéreas do mundo. Então, se você quer diminuir suas emissões, é só
parar de respirar. É apavorante. Simplesmente ultrapassamos todos os limites
razoáveis em números. E, do ponto de vista puramente biológico, qualquer
espécie que faz isso tem que entrar em colapso."
Mas isso não é sugerir, no entanto, que Lovelock
acredita que deveríamos ficar tocando harpa enquanto assistimos o mundo
queimar. É bem o contrário. "Precisamos tomar ações ousadas", ele
insiste. "Temos uma quantidade enorme de coisas a fazer." De acordo
com a visão dele, temos duas escolhas: podemos retornar a um estilo de vida
mais primitivo e viver em equilíbrio com o planeta como caçadores-coletores ou
podemos nos isolar em uma civilização muito sofisticada, de altíssima
tecnologia. "Não há dúvida sobre que caminho eu preferiria", diz
certa manhã, em sua casa, com um sorriso aberto no rosto enquanto digita em seu
computador. "Realmente, é uma questão de como organizamos a sociedade -
onde vamos conseguir nossa comida, nossa água. Como vamos gerar energia."
Em relação à água, a resposta é bem direta: usinas
de dessalinização, que são capazes de transformar água do mar em água potável.
O suprimento de alimentos é mais difícil: o calor e a seca vão acabar com a
maior parte das regiões de plantações de alimentos hoje existentes. Também vão
empurrar as pessoas para o norte, onde vão se aglomerar em cidades. Nessas
áreas, não haverá lugar para quintais ajardinados. Como resultado, Lovelock
acredita, precisaremos sintetizar comida - teremos que criar alimentos em
barris com culturas de tecidos de carnes e vegetais. Isso parece muito
exagerado e profundamente desagradável, mas, do ponto de vista tecnológico, não
será difícil de realizar.
O fornecimento contínuo de eletricidade também será vital, segundo ele. Cinco dias depois de visitar o centro Hadley, Lovelock escreveu um artigo opinativo polêmico, intitulado: "Energia nuclear é a única solução verde". Lovelock argumentava que "devemos usar o pequeno resultado dos renováveis com sensatez", mas que "não temos tempo para fazer experimentos com essas fontes de energia visionárias; a civilização está em perigo iminente e precisa usar a energia nuclear - a fonte de energia mais segura disponível - agora ou sofrer a dor que em breve será infligida a nosso planeta tão ressentido".
O fornecimento contínuo de eletricidade também será vital, segundo ele. Cinco dias depois de visitar o centro Hadley, Lovelock escreveu um artigo opinativo polêmico, intitulado: "Energia nuclear é a única solução verde". Lovelock argumentava que "devemos usar o pequeno resultado dos renováveis com sensatez", mas que "não temos tempo para fazer experimentos com essas fontes de energia visionárias; a civilização está em perigo iminente e precisa usar a energia nuclear - a fonte de energia mais segura disponível - agora ou sofrer a dor que em breve será infligida a nosso planeta tão ressentido".
Ambientalistas urraram em protesto, mas qualquer
pessoa que conhecia o passado de Lovelock não se surpreendeu com sua defesa à
energia nuclear. Aos 14 anos, ao ler que a energia do sol vem de uma reação
nuclear, ele passou a acreditar que a energia nuclear é uma das forças
fundamentais no universo. Por que não aproveitá-la? No que diz respeito aos
perigos - lixo radioativo, vulnerabilidade ao terrorismo, desastres como o de
Chernobyl - Lovelock diz que este é dos males o menos pior: "Mesmo que
eles tenham razão a respeito dos perigos, e não têm, continua não sendo nada na
comparação com as mudanças climáticas".
Como último recurso, para manter o planeta pelo
menos marginalmente habitável, Lovelock acredita que os seres humanos podem ser
forçados a manipular o clima terrestre com a construção de protetores solares
no espaço ou instalando equipamentos para enviar enormes quantidades de CO2
para fora da atmosfera. Mas ele considera a geoengenharia em larga escala como
um ato de arrogância - "Imagino que seria mais fácil um bode se
transformar em um bom jardineiro do que os seres humanos passarem a ser
guardiões da Terra". Na verdade, foi Lovelock que inspirou seu amigo
Richard Branson a oferecer um prêmio de US$ 25 milhões para o "Virgin
Earth Challenge" (Desafio Virgin da Terra), que será concedido à primeira
pessoa que conseguir criar um método comercialmente viável de remover os gases
responsáveis pelo efeito estufa da atmosfera. Lovelock é juiz do concurso, por
isso não pode participar dele, mas ficou intrigado com o desafio. Sua mais
recente idéia: suspender centenas de milhares de canos verticais de 18 metros
de comprimento nos oceanos tropicais, colocar uma válvula na base de cada cano
e permitir que a água das profundezas, rica em nutrientes, seja bombeada para a
superfície pela ação das ondas. Os nutrientes das águas das profundezas
aumentariam a proliferação das algas, que consumiriam o dióxido de carbono e
ajudariam a resfriar o planeta. "É uma maneira de contrabalançar o sistema
de energia natural da Terra usando ele próprio", Lovelock especula. "Acho
que Gaia aprovaria."
Oslo é o tipo perfeito de cidade para Lovelock.
Fica em latitudes do norte, que ficarão mais temperadas na medida em que o
clima for esquentando; tem água aos montes; graças a suas reservas de petróleo
e gás, é rica; e lá já há muito pensamento criativo relativo à energia,
incluindo, para a satisfação de Lovelock, discussões renovadas a respeito da
energia nuclear. "A questão principal a ser discutida aqui é como manejar
as hordas de pessoas que chegarão à cidade", Lovelock avisa. "Nas
próximas décadas, metade da população do sul da Europa vai tentar se mudar para
cá."
Nós nos dirigimos para perto da água, passando pelo
castelo de Akershus, uma fortaleza imponente do século 13 que funcionou como
quartel-general nazista durante a ocupação da cidade na Segunda Guerra Mundial.
Para Lovelock, os paralelos entre o que o mundo enfrentou naquela época e o que
enfrenta hoje são bem claros. "Em certos aspectos, é como se estivéssemos
de novo em 1939", ele afirma. "A ameaça é óbvia, mas não conseguimos
nos dar conta do que está em jogo. Ainda estamos falando de conciliação."
Naquele tempo, como hoje, o que mais choca Lovelock
é a ausência de liderança política. Apesar de respeitar as iniciativas de Al
Gore para conscientizar as pessoas, não acredita que nenhum político tenha
chegado perto de nos preparar para o que vem por aí. "Em muito pouco
tempo, estaremos vivendo em um mundo desesperador, comenta Lovelock. Ele
acredita que está mais do que na hora para uma versão "aquecimento
global" do famoso discurso que Winston Churchill fez para preparar a
Grã-Bretanha para a Segunda Guerra Mundial: "Não tenho nada a oferecer
além de sangue, trabalho, lágrimas e suor". "As pessoas estão prontas
para isso", Lovelock dispara quando passamos sob a sombra do castelo.
"A população entende o que está acontecendo muito melhor do que a maior
parte dos políticos."
Independentemente do que o futuro trouxer, é
provável que Lovelock não esteja por aí para ver. "O meu objetivo é viver
uma vida retangular: longa, forte e firme, com uma queda rápida no final",
sentencia. Lovelock não apresenta sinais de estar se aproximando de seu ponto
de queda. Apesar de já ter passado por 40 operações, incluindo ponte de safena,
continua viajando de um lado para o outro no interior inglês em seu Honda
branco, como um piloto de Fórmula 1. Ele e Sandy recentemente passaram um mês
de férias na Austrália, onde visitaram a Grande Barreira de Corais. O cientista
está prestes a começar a escrever mais um livro sobre Gaia. Richard Branson o
convidou para o primeiro vôo do ônibus espacial Virgin Galactic, que acontecerá
no fim do ano que vem - "Quero oferecer a ele a visão de Gaia do
espaço", diz Branson. Lovelock está ansioso para fazer o passeio, e
planeja fazer um teste em uma centrífuga até o fim deste ano para ver se seu
corpo suporta as forças gravitacionais de um vôo espacial. Ele evita falar de
seu legado, mas brinca com os filhos dizendo que quer ver gravado na lápide de
seu túmulo: "Ele nunca teve a intenção de ser conciliador".
Em relação aos horrores que nos aguardam, Lovelock
pode muito bem estar errado. Não por ter interpretado a ciência erroneamente
(apesar de isso certamente ser possível), mas por ter interpretado os seres
humanos erroneamente. Poucos cientistas sérios duvidam que estejamos prestes a
viver uma catástrofe climática. Mas, apesar de toda a sensibilidade de Lovelock
para a dinâmica sutil e para os ciclos de resposta no sistema climático, ele se
mostra curiosamente alheio à dinâmica sutil e aos ciclos de resposta no sistema
humano. Ele acredita que, apesar dos nossos iPhones e dos nossos ônibus
espaciais, continuamos sendo animais tribais, amplamente incapazes de agir pelo
bem maior ou de tomar decisões de longo prazo que garantam nosso bem-estar.
"Nosso progresso moral", diz Lovelock, "não acompanhou nosso
progresso tecnológico."
Mas talvez seja exatamente esse o motivo do
apocalipse que está por vir. Uma das questões que fascina Lovelock é a
seguinte: A vida vem evoluindo na Terra há mais de 3 bilhões de anos - e por
que motivo? "Gostemos ou não, somos o cérebro e o sistema nervoso de
Gaia", ele explica. "Agora, assumimos responsabilidade pelo bem-estar
do planeta. Como vamos lidar com isso?"
Enquanto abrimos caminho no meio dos turistas que se dirigem para o castelo, é fácil olhar para eles e ficar triste. Mais difícil é olhar para eles e ter esperança. Mas quando digo isso a Lovelock, ele argumenta que a raça humana passou por muitos gargalos antes - e que talvez sejamos melhores por causa disso. Então ele me conta a história de um acidente de avião, anos atrás, no aeroporto de Manchester. "Um tanque de combustível pegou fogo durante a decolagem", recorda. "Havia tempo de sobra para todo mundo sair, mas alguns passageiros simplesmente ficaram paralisados, sentados nas poltronas, como tinham lhes dito para fazer, e as pessoas que escaparam tiveram que passar por cima deles para sair. Era perfeitamente óbvio o que era necessário fazer para sair, mas eles não se mexiam. Morreram carbonizados ou asfixiados pela fumaça. E muita gente, fico triste em dizer, é assim. E é isso que vai acontecer desta vez, só que em escala muito maior."
Enquanto abrimos caminho no meio dos turistas que se dirigem para o castelo, é fácil olhar para eles e ficar triste. Mais difícil é olhar para eles e ter esperança. Mas quando digo isso a Lovelock, ele argumenta que a raça humana passou por muitos gargalos antes - e que talvez sejamos melhores por causa disso. Então ele me conta a história de um acidente de avião, anos atrás, no aeroporto de Manchester. "Um tanque de combustível pegou fogo durante a decolagem", recorda. "Havia tempo de sobra para todo mundo sair, mas alguns passageiros simplesmente ficaram paralisados, sentados nas poltronas, como tinham lhes dito para fazer, e as pessoas que escaparam tiveram que passar por cima deles para sair. Era perfeitamente óbvio o que era necessário fazer para sair, mas eles não se mexiam. Morreram carbonizados ou asfixiados pela fumaça. E muita gente, fico triste em dizer, é assim. E é isso que vai acontecer desta vez, só que em escala muito maior."
Lovelock olha para mim com olhos azuis muito
firmes. "Algumas pessoas vão ficar sentadas na poltrona sem fazer nada,
paralisadas de pânico. Outras vão se mexer. Vão ver o que está prestes a
acontecer, e vão tomar uma atitude, e vão sobreviver. São elas que vão levar a
civilização em frente."
(Tradução de Ana Ban)
Issue 14 - November 2007
Global warming is inevitable and 6 billion will die, says scientist
James Lovelock, renowned scientist, says that global warming is irreversible - and that more than 6 billion people will die in this century
Courtesy of James Lovelock
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